quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

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Aquela aldeia do litoral centro português tinha, como todas as outras, uma longa tradição marítima. Mas só tinham desgraças e nenhum grande feito para contar. Na altura dos Descobrimentos, conta-se que numa caravela feita pelas suas próprias mãos, os rapazes da aldeia se lançaram nas salsas ondas do Atlântico em busca de novas terras e continentes. Voltaram desolados: «Houve um dia em que pensámos descobrir uma nova Índia, uma nova América ou até uma ilhota perdida das Caraíbas...», contou o Martim Martins, descendente distante e bastardo de um conde da vila mais próxima. «”Terra à vista! Terra à vista!”, gritou o Zé, Mas, afinal, aquilo não era terra nenhuma. De um barco de espanhóis, que por acaso passava por ali, gritaram-nos: “Mira, cuonho, esto no és una tierra nueva, és um rieles cachaluete”. E, de facto, a terra mexeu-se e começou a deitar água por um buraco na cabeça». Várias gerações depois, e descontentes com a má fama que a aldeia tinha junto das populações vizinhas, uma nova fornada de valentes rapazes juntou-se para construir uma garbosa nau, com a qual foram lutar contra piratas holandeses, castelhanos, franceses e até mouros. Infelizmente, os poucos que voltaram a casa para contar os seus feitos vinham cegos ou estropiados, despernados ou minados pelos delírios do escorbuto. Várias gerações depois, uma nova leva de rapazes da aldeia – com intenções mais modestas do que a dos seus primevos – lançou ao mar uma bela traineira, construída pelas suas próprias mãos. Mas, em sucessivas fainas, os rapazes voltaram à praia apenas com duas ou três sardinhas mirradas, um carapauzito zarolho e uma raia (miúda). Com este fraco currículo de marinheiros, guerreiros e pescadores, aquele sítio ficou para sempre conhecido como a Aldeia dos Azelhas do Mar.

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