quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

96

(Nota 1: Apesar da numeração poder indiciar o contrário é aconselhável ler estes contos tontos do número maior para o mais pequeno. Obrigado! Nota 2: quando se passa da primeira para a segunda "páginas", o conto 46 parece desaparecido; por isso é favor clicar no número respectivo aqui ao lado)


A velha senhora gostava tanto do seu cão que, quando ele morreu, o mandou cremar e guardou as cinzas num pote chinês, de cerâmica, que ela colocou em cima da melhor cómoda da sala. Uma vez, anos depois do Piruças ter morrido, o pote ladrou. Em mandarim.

95


Havia uma estrada recta, interminável e que se perdia no horizonte como aquelas que se vêem nos filmes americanos do deserto, a unir as duas cidades. Quando, ansioso, o filho mais novo perguntou ao pai que ia a conduzir, «Quando é que chegamos à outra cidade?», o pai respondeu: «É já ali; a seguir à próxima curva». Lá atrás, na bagageira, o pneu suplente deu um grande bocejo e comentou baixinho: «Pois, do que é que estavas à espera, puto?».

94


As companhias de turismo dos peixes organizavam esta excursão regularmente; era mesmo uma das mais apreciadas: a visita aos destroços do Titanic. «Olhe ali que belo colar de pérolas», disse um pargo para uma sardinha. «Olhe que não; é a dentadura de um dos náufragos», esclareceu a sardinha. «Ah, pois é...», confirmou o pargo depois de ter posto os óculos.

93


Aquele ácido tinha-lhe batido mesmo bem. De repente sentia-se como se estivesse dentro de uma lâmpada de lava, rodeado de um líquido quente, leitoso, brilhante e translúcido. Depois, de uma forma ainda mais clara e súbita, percebeu que afinal não estava drogado e que só iria nascer dois meses depois.

92


Ia ele muito bem a passear na rua quando um pombo decidiu fazer as necessidades em cima do seu casaco de bombazine azul. «Que merda!», disse ele. «Merda não», ripostou o pombo, ofendido, «é guano, se faz favor».

91


Era Verão, o sol brilhava lá no alto e o campo de malmequeres era digno de um quadro de Van Gogh. Uma abelha muito bonita e prendada andava a polinizar de flor em flor, levando regularmente o resultado do seu trabalho para a colmeia. Uma outra abelha, não tão bonita nem prendada, tinha inveja dela e arranjava imensos pretextos para discutir com a primeira por tudo e por nada. «Bzzzz, bzzzz», «Bzzzzz, bzzzzzzzz», gritavam elas. Um macho que passava por ali e que gostava de trocadilhos óbvios comentou: «Não há nada mais divertido do que ver duas abelhas que se... zangam».

90


Aquele zombie não era nada bem-visto pelo resto da sua comunidade: para além de cheirar mesmo mal (ainda pior que os outros), era um chato, tinha problemas existenciais e estava sempre a perguntar se haveria vida depois da morte. Ou seria o contrário?

89


A Cinderela estava a andar no seu baloiço favorito, feliz e com o vento fresco a rodopiar-lhe à volta dos caracóis loiros. De cá para lá; de lá para cá. De cá para lá; de lá para cá. Caiu-lhe um sapato. Era de cristal; partiu-se.

88


Os dois morcegos estavam a explorar uma nova gruta, enorme e desconhecida. «Que bela estalactite; faz lembrar vagamente a Vénus de Milo», disse um, observando com admiração uma formação calcária que fazia lembrar vagamente a Vénus de Milo. «Isso não é uma estalactite, é uma estalagmite. Estalactites são as que saem do tecto», ripostou o outro. «Oh pá, és tão chato quando te armas em intelectual», disse o primeiro, «vou mas é para casa ouvir o primeiro álbum dos Bauhaus».

87


O S. Pedro teve que se desculpar, humildemente, perante Deus, depois deste se ter queixado que naquele dia nem uma só alma tinha entrado no Céu. «Perdão, Senhor; perdi as chaves», justificou-se o S. Pedro, envergonhado. «O quê?», perguntou Deus, furibundo: «E então para que é que servem os cartões magnéticos que me custaram uma fortuna?». Outra versão, um bocadinho mais elaborada e com uma piada estúpida no final, conta assim a mesma história: O S. Pedro teve que se desculpar, humildemente, perante Deus, depois deste se ter queixado que naquele dia nem uma só alma tinha entrado no Céu. «Perdão, Senhor; perdi as chaves», justificou-se o S. Pedro, envergonhado. «O quê?», perguntou Deus, furibundo: «E então para que é que servem os cartões magnéticos que me custaram uma fortuna?». «Desmagnetizaram-se quando os deixei ao lado do telemóvel», respondeu S. Pedro, já vermelho que nem um tomate. «Telemóvel?», estranhou Deus, «E para que queres tu um telemóvel?». «Para trocar SMS com o S. João e o Sto. António... O pior é quando não tenho rede», concluiu S. Pedro, o Pescador.

86


Como é sabido, os crocodilos não dormem com medo de um dia virem a ser transformados em sapatos. Um deles, ao ver chegar ao rio um grupo de caçadores fortemente armados, bocejou e teve um último desejo: «Bem, se tem que ser, que seja Armani».

85


Os abutres, as hienas, os urubus, os escaravelhos e outros animais necrófagos reuniram-se em assembleia com carácter de urgência: muitos deles estavam a ficar alérgicos à carne morta e teriam que iniciar uma nova dieta baseada em carne de animais acabados de caçar, ainda palpitante de vida e com o sangue quente. Uma das hienas queixou-se: «Então, e aquele saborzinho a podre?». Resposta de um dos escaravelhos: «Olha, experimenta Roquefort!».

84


Nesse dia, o extraterrestre decidiu visitar um local diferente do planeta. Estava farto de sobrevoar ou parar na Atlântida, nas pirâmides do Egipto, em Stonehenge, em Fátima, no Triângulo das Bermudas e em Roswell. Olhou para o GPS e marcou as coordenadas: um enorme campo de milho algures em Espanha, onde aterrou, queimando o solo com os seus potentes motores a jacto. Quando se foi embora, a nave deixou um desenho misterioso e perfeitamente simétrico no campo e o extraterrestre estava feliz a mastigar as suas pipocas.

83


Já velhotes, o Espantalho e o Homem-de-Lata voltam a encontrar-se no caminho para Oz. «Sempre que passo por aqui fico com imensas saudades da Dorothy!», diz o Espantalho. «Quem?», pergunta o Homem-de-Lata.

82


Um mestre faquir indiano estava a iniciar um aprendiz português nos segredos da arte dos pregos. Como dormir numa cama de pregos sem sentir dor, como introduzir pregos nas orelhas e no nariz, como comer pregos sem que o esófago, o estômago ou os intestinos fiquem feridos por estes elementos estranhos a uma alimentação habitual. Nesta última parte, o aprendiz comentou: «Para mim isso ia bem era com mostarda».

81


Certo dia, o Super-Homem - depois de ter sido atacado por um arqui-inimigo que, como é habitual, usou kryptonite para o enfraquecer - foi comer uma sopa revigorante a uma tasca de Smallville. O empregado-de-mesa perguntou-lhe: «Quer a sopa fria ou quente?». «Claro que quente», respondeu o Super-Homem.

80


Há muito tempo, numa terra distante, vivia um rei extraordinariamente sábio, reconhecido em todo o mundo como um exemplo de justiça e bondade, chamado Salomão. Certo dia, apareceram-lhe à frente duas mulheres, acompanhadas por uma enorme melancia. As duas alegavam que a melancia tinha sido roubada pela outra durante a noite. Para resolver o diferendo, Salomão propôs que se cortasse a melancia ao meio e que cada metade fosse para cada uma das mulheres. «Sim, sim, bem pensado», disse uma delas, aquela que tinha roubado a melancia. «Não, não», disse a outra, a que tinha sido roubada: «Não quero que a melancia, uma melancia tão grande e bonita, sofra. Ela que fique com a melancia inteira». Então, Salomão pegou na melancia e com ela alimentou os seus camelos e cavalos enquanto dizia em surdina: «Ora porra; se me tivessem trazido um recém-nascido eu tinha feito um brilharete!».

79


Depois de morrerem, Hitler e Estaline encontraram-se no Inferno. Mas, apesar de mortos, a rivalidade entre os dois não esmoreceu. «Eu matei quatro milhões de judeus nos campos-de-concentração», disse Hitler para picar o outro. «E eu enviei quatro milhões de opositores para a Sibéria», disse Estaline. «Eu criei as SS», disse Hitler. «E eu chefiei o KGB», ripostou Estaline. «A suástica é um símbolo que perdurará para sempre», disse Hitler. «A foice e o martelo também», respondeu Estaline. E ficaram assim, em empate técnico, durante várias horas. Até que Estaline disse: «O meu bigode é maior que o teu».

78


Hiperactivo como sempre, Leonardo da Vinci passou o dia a retocar a «Mona Lisa», a dissecar um cadáver e a experimentar uma nova e original receita de cozinha. Nessa noite, cansado, decidiu ir beber uns copos com os outros compinchas do Priorado de Sião, uma sociedade secreta que - ao contrário do que se julga - só servia mesmo para os seus membros jogarem às cartas, beberem que nem uns alarves e falarem de mulheres. Já um bocadinho toldado pelo vinho, da Vinci teve mais uma visão do futuro, à semelhança dos helicópetros, batiscafos, pára-quedas e bicicletas que ele costumava imaginar: «Se não me ponho a pau, haverá um dia em que um tipo chamado Dan Brown irá ganhar rios de dinheiro à minha custa». Dito isto, deu um último golo no copo de Chianti, voltou para casa e pintou uma nova versão da «Última Ceia», desta vez só com gajas mesmo.

77


Dois turistas pobretanas estavam a passear por Londres. Um deles, cheio de fome e fascinado pela visão de uns fish'n'chips fumegantes e de uma bela e fresca pint de Foster's, pede ao companheiro: «Tens aí uma libra que me emprestes?». «Uma libra? Nem pences!», responde o outro.

76


O leão desconfiava que a sua companheira andava a enganá-lo com outros machos. E ficou com a certeza absoluta disso mesmo quando, no meio de uma sessão de sexo especialmente tórrida - cheia de gemidos, grrruaus e arranhadelas -, ela exclamou: «Ah, tigre!».

75


Um oragontango passeava na praia quando, de repente, dá um pontapé numa lâmpada encantada. Sai de lá um Génio, que diz ao orangotango poder ser-lhe concedido um desejo. «Quero ser um chimpanzé». E assim se fez. Alguns dias depois, na mesma praia passou um chimpanzé que, por sua vez, pediu ao Génio que o transformasse em gorila. E assim se fez. Passam-se mais alguns dias e um gorila que encontra a lâmpada pede, por sua vez, ao Génio que o transforme em orangotango. «Estes primatas são um bocadinho idiotas e desconfio que serão assim para todo o sempre», pensou o Génio da Lâmpada, quando percebeu que tinha sido sempre o mesmo ser vivo a visitá-lo e a fazer estes pedidos que, afinal, resultaram em pedido nenhum. Até que, passadas algumas semanas, o mesmo orangotango voltou à praia com uma ideia: «Agora vou pedir-lhe que me transforme num Génio igual a ele». Milhares de anos depois, o Génio que tinha sido orangotango apareceu a Charles Darwin. Este pediu-lhe que arranjasse um editor para o seu livro «A Origem das Espécies». E assim se fez.

74


Outra versão, ligeiramente diferente, deste desconhecido conto oriental reza assim: Uma amiba passeava na praia quando, de repente, dá um pontapé numa lâmpada encantada. Sai de lá um Génio, que diz à amiba poder ser-lhe concedida um desejo. «Quero ser um Tiranossaurus Rex». E assim se fez. Alguns dias depois, na mesma praia passou um Tiranossaurus Rex que, por sua vez, pediu ao Génio que o transformasse num Australopithecus Afarensis. E assim se fez. Passam-se mais alguns dias e um Australopithecus Afarensis que encontra a lâmpada pede, por sua vez, ao Génio que o transforme em Charles Darwin. «Estes animais todos, sejam eles primatas ou não, são um bocadinho idiotas e desconfio que serão assim para todo o sempre», pensou o Génio da Lâmpada, quando percebeu que tinha sido sempre o mesmo ser vivo a visitá-lo e a fazer estes pedidos que, afinal, resultaram em pedido nenhum. Até que, passadas algumas semanas, o mesmo Charles Darwin voltou à praia com uma ideia: «Agora vou pedir-lhe que me transforme num Génio igual a ele». Milhares de anos depois, o Génio que tinha sido Charles Darwin apareceu a Deus. Este pediu-lhe que arranjasse um editor para o seu livro, a «Bíblia». «Nem penses», respondeu-lhe Charles Darwin.

73


Quatro japoneses - sentados no chão e a saborear uns deliciosos pedaços de sushi e sashimi enquanto sorviam umas boas malgas de saké -, discutiam, com ar de conhecedores, os méritos e deméritos de uma jovem prostituta de Quioto. «Ela tem os pés muito grandes», disse um. «Ainda não sabe tocar shamisen», informou outro. «E na caligrafia também deixa um bocadinho a desejar», acrescentou o terceiro. O quarto, um bocadinho menos exigente, rematou: «Eu cá, então, já fui para a cama com ela e não tenho razões de gueixa».

72


O Sr. Francisco tinha um nariz enorme, disforme, feio, com cor e forma de beterraba. «É do vinho», comentavam, metediços e bisbilhoteiros, os vizinhos. Mas a verdade, verdadinha, é que o Sr. Francisco tinha comprado aquele nariz, que o deixava imensamente orgulhoso e que lhe custou uma fortuna, num leilão de quadros do Arcimboldo.

71


Durante toda a sua vida, a D. Zulmira viveu com o estigma de ficar sempre em último lugar. Na escola primária era sempre a última a ser chamada. Anos depois, com o cargo de técnica de limpeza da junta de freguesia da sua aldeia, foi a última a ser promovida. Com 54 anos participou na meia-maratona organizada pelo Grupo Excursionista Os Amigos do Palhinhas e foi a última a cortar a meta. E quando casou pela primeira - e, já agora, última - vez, aos 87 anos, o noivo chamava-se Zebedeu (era o último nome da sua lista telefónica). No seu leito de morte, aos 167 anos, a D. Zulmira percebeu, finalmente, o sentido da vida. Desta vez, foi a primeira a consegui-lo.

70


Certo dia, Tarzan cruzou-se com Sandokan. «Sou o Rei da Selva», disse Tarzan, em modo desafiador. «E eu sou o Tigre da Malásia», respondeu, agressivo, Sandokan. Cada um puxou das suas armas: Tarzan desembainhou o seu punhal e Sandokan levantou bem alto o seu sabre. Lutaram durante alguns minutos, fizeram umas arranhadelas um ao outro, mas - como era de esperar com estas personagens - acabaram o duelo amigos e a embebedar-se com a ajuda de uma grade de cervejas Cobra que o Sandokan tinha levado da Índia para África. Na manhã seguinte tomaram, cada um, um Guronsan.

69


Ia ele muito bem a passear na rua quando um extraterrestre que estava ao comando de uma nave espacial deixou cair algumas migalhas gordurosas sobre a sua imaculada camisa de linho branco. «Que merda!», disse ele. «Merda não», ripostou o extraterrestre, ofendido, «é pipocas».

68


Moisés, Buda, Ísis, Zeus, Krishna, Zoroastro, Cristo, Thor, a Grande Mãe-Terra, Olorun, Maomé, Manitu e Lutero encontraram-se para discutir qual das religiões que representavam era a mais importante e qual delas é que possuía, afinal, a verdade suprema. Após alguns séculos de infrutíferas trocas de argumentos, levantaram-se, cumprimentaram-se - com um cavalheiresco apertar de mãos os homens; a Ísis com um beijinho de perfil e a Grande Mãe-Terra com um abraço que prometia a todos algumas futuras aventuras picantes - e foi cada um à sua vida. Ainda continuam a vender livros e com muito sucesso. Mas o Paulo Coelho vende mais.

67


O Sr. Pablo era um fanático do Feng Shui. Todos os anos, e de acordo com a mudança do ano chinesa, ele alterava a sua residência em Paris: uma parede que estava pintada de azul ele pintava de amarelo. Outra que estava pintada de preto ele pintava de rosa. No lugar antes ocupado por um quarto estava agora uma casa-de-banho e no lugar da cozinha estava um atelier. A própria cama, no quarto, já tinha mudado várias vezes de sítio: ora estava virada para sul como para norte, para noroeste como para sudeste. E havia vários objectos espalhados estrategicamente pela casa: moedas, flores, pão, velas... que, ciclicamente, também iam mudando de lugar. Um dia, depois de perceber que, afinal, a sua sorte, fortuna, destino e saúde não se modificavam grande coisa com tudo isto, começou a aplicar o Feng Shui à sua arte e a pintar quadros em que os braços tomavam o lugar da cabeça, os olhos o lugar da boca, a jarra o lugar do espelho e os joelhos o lugar dos mamilos. O Sr. Pablo ficou rico.

66


Era um ilusionista famoso. No início da carreira notabilizou-se por transformar baralhos de cartas em jogos do Monopólio, do Sabichão e até em Legos que, montados por magia, mostravam o Portugal dos Pequeninos em formato ainda mais pequenino. Depois, começou a transformar pombos e coelhos em papagaios e leões. E teve o seu pico de glória quando, num número especialmente original, fez desaparecer as Termas do Luso e, no seu lugar, apareceram as Caves do Vinho do Porto. Um jornal mais ousado comparou-o a Cristo e chamou ao truque As Bodas de Canaã Revistas e Aumentadas. Mas a sua sorte começou a mudar quando, enquanto serrava uma assistente em várias partes, começaram a saltar para o palco, aleatoriamente, pedaços de pernas, um fígado, uma orelha, uma mama e um meio-olho. O ilusionista desculpou-se: «O Sr. Pablo também fez isto e todos acham que ele é um génio».

65


No caminho para Tebas, Édipo foi surpreendido pela Esfinge, que lhe fez a pergunta clássica: «Qual é a criatura que anda com quatro pernas de manhã, ao meio-dia com duas e à tarde com três?». Édipo respondeu, correctamente: «É o John Holmes». Desta vez a Esfinge não se suicidou e, curiosa, foi tentar a sua sorte no cinema porno.

64


Um jovem esquimó estava perdido no deserto do Saara quando viu um homem semi-nu a tocar didgeridoo. «Estou quase morto de sede», disse o esquimó, «mas ouvi dizer que o Amazonas tem uma água fresca, cristalina e deliciosa». «É já ali; a seguir à próxima curva», indicou o aborígene. Lá atrás, na bagageira, Deus deu um grande bocejo e comentou baixinho: «Pois, do que é que estavas à espera, puto?».

63


À hora do chá, e enquanto partilhavam uns apetitosos scones com manteiga e compota, Charles Darwin e Deus envolveram-se novamente na sua discussão favorita: «O que é que apareceu primeiro? O ovo ou a galinha?». «Toda a gente sabe», disse Deus, «que foi a galinha: inventei-a e pu-la na Terra no sexto dia da criação». «Mas antes de haver galinhas», replicou Darwin, «os dinossauros já punham ovos... Portanto, o ovo apareceu antes da galinha». E assim continuaram, em alegre e inócua galhofa, durante algumas horas. Um macaco de rabo cortado que, por acaso, passava por ali aproximou-se da mesa e, sorrateiro, roubou-lhes os scones.

62


Um velho vagabundo era relativamente feliz com a sua vida: cravava cigarros a quem passava, partilhava uma sopa e umas garrafas de vinho com os outros sem-abrigo, namoriscava com as voluntárias do Exército da Salvação. Mas havia algo que o entristecia: era completamente calvo - chamavam-lhe «o mona lisa» - e ele invejava as fartas cabeleiras e as barbas hirsutas dos seus companheiros. Até que um dia lhe ofereceram um capachinho. Ficou feliz! Mas uma das voluntárias criticou-o: «Então, agora tens cabelo mas estás todo despenteado?». «Oh irmã», respondeu o vagabundo, «a cabelo dado não se olha o pente».

61


Depois de muitas lutas, batalhas, aventuras, traições e peripécias, Gollum conseguiu finalmente roubar o Anel a Frodo. «O meu precioso!»; «o meu precioso!», repetia o Gollum com os olhos brilhantes e húmidos de emoção. Depois veio a crise mundial e Gollum meteu-o no prego. Deram-lhe cinco euritos pela argola.

60


Aquela sopa de nabiça tinha-lhe caído mesmo bem. De repente sentia-se como se estivesse a flutuar sobre a aldeia da sua infância enquanto, à sua volta, voavam submarinos amarelos, alguns porquinhos-mealheiros cor-de-rosa e três ou quatro chupa-chupas multicolores. Depois, de uma forma ainda mais clara e súbita, percebeu que afinal aquilo não era nabiça mas cannabis da melhor qualidade.

59


Certo dia, fartos de verem o seu nome ser enxovalhado por Paulo Coelho, e com razão, Veronika, o Guerreiro da Luz, Zahir, Brida, o Alquimista, a bruxa de Portobello e até o Demónio decidiram processar o famoso escritor brasileiro. Pediram uma indemnização choruda e, como seria de esperar, ganharam a causa. Paulo Coelho escreveu um livro em que contava a história do processo e recuperou o dinheiro em duas horas; e isto só contando com as vendas na FNAC de Almada.

58


Em busca de sangue virgem, Drácula deambulava pelo Alentejo. Foi então que, apesar do lusco-fusco, viu uma rapariga trigueira, lindíssima, a passear pela seara. Pé ante pé, Drácula aproximou-se da moça. Quando lhe tocou no ombro, esta virou-se e ao dar de caras com o vampiro, gritou. Trucidado pelo hálito a alho da rapariga, Drácula caiu logo ali, Redondo (e isto apesar desta história se passar em Castro Verde). Abençoada açorda da mãezinha!!!

57


Na catequese, o Afonso aprendeu uma nova oração; pequenina, simples, fácil de decorar, muito bonita. E começou a repeti-la todas as noites, antes de adormecer: «Anjinho da Guarda, minha companhia, guardai a minha alma de noite e de dia». Certa noite, o Anjo acordou-o e disse-lhe: «Olha puto, gosto muito que rezes todos os dias mas, só para esclarecer: eu não sou da Guarda, sou da Covilhã».

56


Era o jogo final da NBA. Milhares de pessoas concentravam-se no pavilhão e, em todo o mundo, mais alguns milhões seguiam o jogo pela televisão. No termo do encontro - e depois de todos os prolongamentos previstos pelas regras -, os LA Lakers tinham empatado com os Chicago Bulls com 227 pontos cada. Não havia nada a fazer: pela primeira vez no historial desta célebre competição de basquetebol, a taça teria que ser dividida. Até que o capitão dos LA Lakers chegou ao pé do árbitro e contou a história do Capuchinho Vermelho. «Pronto, está decidido», disse o árbitro, «os vencedores são os LA Lakers». «Mas porquê?», perguntou, revoltado, o treinador dos Chicago Bulls. «Quem conta um conto acrescenta um ponto», respondeu o árbitro.

55


Ao pequeno-almoço, e enquanto partilhavam umas deliciosas torradas com manteiga e compota, Carl Sagan e Deus envolveram-se novamente na sua discussão favorita: «Como é que surgiu o universo?». «Toda a gente sabe», disse Sagan, «que uma pequena particula de matéria, do tamanho da cabeça de um alfinete, começou a expandir-se e todo o universo nasceu aí; é o Big Bang». «Mas quem é que pôs lá essa partícula de matéria, ahn?», ripostou Deus, «essa é que é essa!». E assim continuaram, em alegre e inócua galhofa, durante algumas horas. O Paulo Coelho, que, por acaso, passava por ali, aproximou-se da mesa e, sorrateiro, roubou-lhes as torradas.

54


Estava ele a dormir muito sossegadinho - um sono tranquilo, pesado e profundo - quando é subitamente acordado pelo barulho de pás, pés-de-cabra e picaretas, imenso pó a entrar-lhe pelo quarto dentro e uma algaraviada de vozes a gritar, excitadas, numa língua estrangeira. O arqueólogo inglês, triunfante, exclama: «Hurra! Este faraó parece mesmo que está vivo! Que belo trabalho de mumificação!». «Estou mesmo, oh parvalhão», disse o Faraó; «e no meu caso não é mumificação; é criogenização». O arqueólogo olhou para ele, aparvalhado de facto, e implorou: «Importa-se de repetir? É que estão a sair-lhe uns hieróglifos pela boca e não tenho aqui o meu intérprete à mão».

53


O Robin dos Bosques, o Guilherme Tell e o Apache Kid juntaram-se para ver qual deles era o melhor arqueiro. Colocaram um alvo a 150 metros e iniciaram a competição. Robin dos Bosques foi o primeiro: retesou o arco, disparou a flecha, e, pimbas!, acertou mesmo no centro do alvo. A seguir, Guilherme Tell executou os mesmos movimentos e, pimbas!, acertou no centro do alvo e ainda partiu a flecha do Robin dos Bosques em duas. Depois, Apache Kid ainda foi melhor que os anteriores: para além de ter acertado no centro, a sua flecha, pimbas!!, partiu a do Guilherme Tell em quatro e a do Robin dos Bosques em oito. Sorrateiro, o Rambo aproximou-se e mandou um rocket Katiushka para cima daquilo tudo, rebentando com as flechas, o alvo, duas ou três árvores próximas, um paiol de munições, dois camiões de transporte de gado, o gado, o Robin dos Bosques, o Guilherme Tell e o Apache Kid.

52


Era noite, no museu, e os objectos pintados por Andy Warhol - as sopas Campbell, os detergentes Brillo e as garrafas de Coca-Cola - começaram novamente a argumentar sobre qual deles eram os maiores ícones da cultura popular. Na escuridão, pata ante pata, algumas vacas aproximaram-se e comeram aquilo tudo, arrotando bolinhas-de-sabão coloridas e com um vago odor a feijão enquanto ruminavam. «Oh pá, ainda bem», disse o Mao Tsé Tung para a Marilyn Monroe, «já estava farto daquelas discussões».

51


Certa manhã, o Mickey trocou a namorada por uma garrafa de cerveja. Daquelas mais pequeninas. Algumas horas depois, ciumenta, a ex-namorada do rato mais famoso do cinema decidiu conhecer a pinta da rival. E até lhe achou alguma graça: era assim maneirinha, fresquinha, loira, castiça. Mas quando olhou, de soslaio, para o rótulo, comentou: «Pffff, que falta de imaginação!».

50


Na secção de frescos do supermercado, um judeu, um hindu e um vegetariano dissertavam sobre as suas razões para não comerem certos tipos de carne ou, no caso do vegetariano, nenhum tipo de carne. «Não como carne de porco porque é um animal sujo, impuro, imundo, que come as suas próprias fezes», disse o judeu, cuspindo sonoramente para o chão. «Não como carne de vaca porque é um animal sagrado. Está até acima dos brâmanes na nossa escala social», disse o hindu, unindo as mãos e curvando-se respeitosamente. «Não como nenhuma espécie de carne porque os animais são nossos irmãos», disse o vegetariano, resumindo a sua tese na perfeição. Um leitão da Bairrada e uma vaca barrosã que, por acaso, passavam por ali aplaudiram sonoramente. Uma alface, uma couve tronchuda, duas cenouras, vários grãos de soja, um pé-de-feijão, uma lata de pêssegos em calda e três tomates afastaram-se, discretamente, em direcção à secção de electrodomésticos e foram esconder-se atrás de um enorme ecrã plasma.

49


Depois de morrerem, Mozart, Bach, Chopin, Wagner e Beethoven encontraram-se no Céu. Mas, apesar de mortos, a rivalidade entre os cinco não esmoreceu. «Eu compus o Requiem mais maravilhoso que alguma vez existiu!», disse Mozart. «Pffff», ripostou Bach, «nem sequer o acabaste! Olha lá bem para as minhas Variações Goldberg!». «E eu, então», disse Chopin, «escrevi os mais belos Nocturnos de sempre!». «Ah, ah...», gargalhou Wagner, «mas que é lá isso comparado com a minha obra? Basta a Cavalgada das Valquírias para vocês ficarem sem argumentos». Vendo que Beethoven estava muito caladinho no seu canto, os outros perguntaram-lhe, «E que tens tu a dizer, caro Ludwig?». «Aaanh?», respondeu Beethoven.

48


Pela calada da noite, o ladrão entrou no palácio pela janela e dirigiu-se imediatamente à terceira gaveta a contar de baixo de um móvel Luís XV, folheado a ouro, que se encontrava do lado esquerdo da enorme biblioteca. Segurando a lanterna com os dentes, as mãos enluvadas do ladrão rapidamente encontraram um botão disfarçado na madeira, que deslocou uma tampa intermédia e abriu o esconderijo secreto. Quando estava quase, quase, a agarrar o que procurava, um ruído inesperado fê-lo recuar e esconder-se atrás de um belíssimo cadeirão forrado a veludo vermelho. Era o mordomo, que acendeu as cem lâmpadas do lustre de cristal que coroava a biblioteca, enquanto olhava para todo o lado com o sobrolho franzido. Não tendo visto nada de suspeito, o mordomo desligou a luz, fechou a porta e foi-se embora. «Uff, foi por pouco!», murmurou o ladrão enquanto limpava umas geladas gotas de suor com a luva. No quarto da condessa, o mordomo enfiou-se entre os lençóis e perguntou à amante: «Achas que os leitores vão ficar muito chateados se não ficarem a saber o que raio escondes no fundo daquela gaveta?».

47


Certo dia, o Sr. Segismundo teve uma vontade súbita e incontrolável de dormir com a própria mãe. Mas, envergonhado, conteve-se e desabafou de si para si, muito baixinho: «Freuda-se; que ideia mais estúpida». Depois reconsiderou e, apesar de nunca ter freudido com a mãe (pelo menos, que nós saibamos), começou a escrever livros sobre o assunto e até fundou uma ciência.